Já são 4h30 da manhã, quase toda a turma foi embora, mas os mais animados ainda estão no salão de festas. O DJ coloca o som no volume máximo e toca músicas dançantes na tentativa de manter o astral elevado entre os poucos presentes. Ainda que coisas memoráveis possam acontecer antes de o dia clarear, geralmente o melhor da festa já ficou para trás. Imaginou a cena? Pois 2014 está para o mercado imobiliário como as últimas horas da madrugada estão para os baladeiros. O ciclo de forte alta dos preços de imóveis que durou quase seis anos encontrou seu final e, à medida que o tempo vai passando, as oportunidades e os grandes negócios ficam cada vez mais escassos.
Os números demonstram que o setor
imobiliário foi um dos que mais sentiram o baque da desaceleração generalizada
da economia brasileira. De acordo com dados do Secovi-SP o sindicato da
habitação, nos oito primeiros meses deste ano foram fechadas 11.587 vendas de
imóveis na cidade de São Paulo, uma queda de 48,8% em relação ao mesmo período
do ano passado, O economista-chefe do Secovi-SP, Celso Petrucci, minimiza o
resultado e diz que a base de comparação contribui para essa redução tão
acentuada. "No ano passado, o mercado se comportou muito acima das
expectativas, com o lançamento de 5.671 unidades e a venda de 6,361 unidades a
mais do que em 2012, Esse resultado prejudica eventuais comparações",
diz.
Os sinais de que o mercado desacelerou, no entanto, estão por toda a
parte. Os compradores têm se mostrado mais cautelosos e seletivos - o que tem
impacto sobre os preços. O índice FipeZap, que considera as sete
principais capitais brasileiras, mostra uma valorização dos imóveis de 9,2%
em um período de 12 meses até setembro. Três anos antes, a alta em 12 meses até
setembro havia sido de 29,73%, Considerando apenas os nove primeiro meses deste
ano, os preços aumentaram 5,4%, quase em linha com a inflação medida pelo
IPCA, de 4,62% no período. Em algumas capitais, os imóveis já sobem menos que a
média dos preços. É o caso de Curitiba, onde a alta deste ano foi de apenas 1%;
Porto Alegre, de 3,4%; e Recife, de 3,9%. Em Brasília, a situação é ainda pior.
Os imóveis se desvalorizaram em média 1% desde o começo do ano, segundo o
FipeZap. "Há cidades com excesso de oferta, onde os preços já não sobem
mais. No caso de Brasília, se nota até alguma queda" diz o coordenador do
FipeZap, Eduardo Zylberstajn.
O número mais preocupante, no entanto, é o das pessoas que desistiram de
comprar um imóvel na planta no meio do caminho, Em dezembro de 2012, o
percentual de distratos nas vendas dos imóveis era de 5,1%, segundo o Secovi-SP
Em julho deste ano, já representavam 17,9% de todos os negócios fechados.
Os distratos
acontecem quando o comprador de um imóvel na planta devolve a unidade para a
construtora antes de pegar as chaves e recebe de volta os valores já pagos
descontados os custos de comercialização e administração. A disparada dos
distratos costuma refletir dois cenários: a falta de capacidade de pagamento
das parcelas restantes ou o desinteresse do comprador de ficar com o imóvel
frente às novas condições de mercado. Fica a sensação de que, na dúvida,
muitos investidores do mercado imobiliário preferiram acionar o "stop loss".
"Muitas vezes o comprador vê que um apartamento parecido com o seu agora
está sendo vendido por um preço mais barato em um 'saldão' e prefere
distratar", afirma Paulo Fabbriani, presidente da Fabbriani Investments,
empresa especializada no mercado imobiliário.
Com mais imóveis novos entrando no
mercado nos últimos anos e uma demanda menos aquecida, também começa a demorar
mais para que os lançamentos sejam vendidos. O indicador VSO (venda sobre
ofertas), que mostra o percentual de unidades lançadas que tiveram um
comprador, foi de 48,6% no acumulado do ano até agosto. Em agosto de 2013, o
VSO acumulado havia sido de 67,4%. "Isso eleva o estoque das
construtoras", afirma Cláudio Bernardes, presidente do Secovi-SP O
indicador é preocupante principalmente porque o mercado sentiu a queda nas
vendas e lançou bem menos neste ano - o tamanho do ajuste na oferta, no
entanto, parece ter sido insuficiente ante à redução da demanda.
O mercado de aluguéis também foi pego
em cheio pela desaceleração. Os contratos novos de locação tiveram um reajuste
de 3,52% em São Paulo nos últimos 12 meses encerrados em setembro, segundo o
Secovi-SP. No mesmo período, o IGP-M, índice que corrige a maioria dos
contratos, avançou 3,54%, Como comparação, em setembro de 2013 os aluguéis
haviam subido 9,9% em 12 meses, contra um IGPM-M de apenas 4,4%, "Os
reajustes da locação desaceleraram desde o início do ano, reflexo das
dificuldades que a economia brasileira atravessa" diz Mark Turnbull,
diretor de locação do Secovi-SR
No mercado corporativo, o cenário ruim
é ainda mais latente, Em São Paulo, a taxa de vacância (imóveis sem inquilinos)
de escritórios de alto padrão chegou a 20,5%, segundo dados da consultoria
imobiliária Jones Lang La Salle. Isso quer dizer que, na média, a cada 10
escritórios de alto padrão para locação, dois estão vazios em São Paulo. Para
se ter idéia de quão ruim são esses números, basta lembrar que o mercado de
escritórios chegou a registrar apenas 3,5% de taxa de vacância há três anos e
meio. A situação não tende a melhorar no curto prazo porque muitos
empreendimento que começaram a ser construídos nos últimos dois anos devem
chegar ao mercado nos próximos meses, pressionando ainda mais as taxas de
vacância.
Com mais imóveis sem inquilino, os preços
de locação dos escritórios caíram. Segundo o último relatório da Jones Lang, o
valor médio do aluguel de lajes corporativas de alto padrão em São Paulo foi
de R$ 95 o m2 no segundo trimestre. No começo de 2013, estava em R$ 115 - e
alguns empreendimentos mais cobiçados chegavam a cobrar mais de R$ 200 o m2,
Com os preços atuais, muitas empresas estão aproveitando a maior
racionalidade do mercado para mudar para prédios mais modernos e bem
localizados. "Hoje a mesa está virada para os locatários. 0 poder de
barganha está do lado deles", afirma Adriano Mantesso, gestor do BTG
Pactuai Corporate Office Fund, conhecido como BC Fund, o maior fundo
imobiliário do país.
Os reflexos do ciclo de baixa dos imóveis
também podem ser vistos na Bolsa, As ações das principais incorporadoras com
ações listadas acumulam seguidos anos de perdas. Apenas nos 10 primeiros meses
de 2014 (até o dia 24), a desvalorização acumulada foi de 23%. Excluindo da
amostra a Brookfield, que teve uma alta atípica devido à oferta pública de re-
compra para o fechamento de capital, a perda média supera 32%, Para analistas,
empresas como a Rossi e a PDG precisarão de injeções de capital dos sócios
para conseguir arcar com as dívidas.
BOLHA?
Entre janeiro de 2008 e o início deste
ano, o preço dos imóveis residenciais em São Paulo disparou quase 200%, No Rio
de Janeiro, a alta foi de 242%, Não é de se estranhar que um movimento tão
acentuado levantasse a suspeita de bolha imobiliária, 0 argumento dos que
acreditam nela é que não houve um crescimento da renda da população que
justificasse tal valorização e que os preços estariam artificialmente inflados
pelos juros abaixo da Selic cobrados na maioria dos financiamentos
imobiliários e pelos subsídios à aquisição, como os do programa Minha Casa,
Minha Vida.
Os especialistas mais incisivos chegaram
até a colocar uma data para a bolha estourar: após a Copa do Mundo, em julho.
Não aconteceu, O que realmente se viu durante e logo depois do evento esportivo
foi uma forte redução dos negócios. "O mercado desacelerou com força
durante a Copa e, nos meses seguintes, foi devagar. O pessoal da imobiliária
sentiu", diz o corretor de imóveis Francisco Sampaio, da Leardi. A
redução da atividade durante e após a Copa, no entanto, foi vista em diversos
setores da economia. No setor imobiliário, onde decisões de compra são
embasadas em muita pesquisa e comparação de preços, não era de se esperar que
acontecesse algo diferente. "Foi um ano atípico. Sabíamos que seria
assim, com Carnaval tardio, Copa, eleições. Mas a queda foi muito
abrupta", diz Bernardes.
Um dos que defendem que os imóveis
vivem uma bolha é o economista Adolfo Sachsida, pesquisador do Ipea. Seus estudos
seguem a linha de raciocínio do I Prêmio Nobel de Economia Friedrich Hayek, um
dos maiores defensores da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos. O raciocínio
é que existe um bolha quando o crédito em algum setor é estimulado
artificialmente pelo Estado, "Quando o governo faz isso, aquele setor vai
enfrentar um boom de crescimento por conta dos estímulos. Enquanto os incentivos
continuarem, o crescimento do setor se mantém. Assim que o crédito acaba, o
setor para. As evidências que encontramos [no estudo sobre a bolha] mostra que
o governo brasileiro, por meio de uma política monetária equivocada, está
criando uma bolha no setor imobiliário, direcionando crédito artificial ao
setor", afirmou Sachsida em debate sobre a bolha imobiliária realizado
pelo InfoMoney.
O professor Robert Schiller, outro Prêmio
Nobel de Economia, também alertou para a possibilidade de bolha no mercado
imobiliário brasileiro no ano passado, Um dos maiores especialistas em preços
dos imóveis nos EUA, Shiller sempre repete que os preços dos imóveis
americanos subiram de acordo com a inflação nos últimos 120 anos - e que
qualquer movimento atípico é momentâneo e será corrigido nos anos seguintes.
"Quando isso acontece de forma generalizada, pode-se dizer que há uma
bolha, Mas não acho que vivemos isso no mercado imobiliário brasileiro, Nos
últimos 10 anos, houve um forte aumento de renda e melhora das rendições de
financiamento. Isso naturalmente mente provoca um aumento dos preços, mas não é
o suficiente para configurar uma bolha", defende Zylberstajn. O próprio
Sachsida descarta uma queda abrupta dos preços como aconteceu na Europa e nos
EUA com a detonação da crise do subprime. "Confesso que não acho que os
preços vão cair, Minha visão é que eles vão ficar estagnados ou no máximo terão
uma queda bem leve."
Discretos e cautelosos, os maiores
bancos privados brasileiros têm sido bem mais restritivos na concessão de financiamentos
desde 2013. De acordo com gerentes de agências ouvidos pelo InfoMoney, duas
formas de reduzir o risco da carteira imobiliária que vêm sendo adotadas são a
redução do limite do percentual do imóvel que será financiado e a exigência da
comprovação de uma renda maior pelo comprador. Na média, os bancos têm
liberado financiamentos equivalentes a menos da metade do valor atual dos
imóveis - o que reforça a garantia das instituições financeiras caso o os
preços despenquem com uma eventual explosão da bolha imobiliária.
O que bancos, incorporadoras e potenciais
investidores precisarão monitorar nos próximos meses é se o nível de emprego e
de renda continuarão firmes e se o governo terá condições de manter ou até
mesmo acelerar os subsídios concedidos aos compradores. Enquanto não houver
uma reversão nesses fatores, um estouro de bolha está descartado. Por ora, o
que se percebe é que a própria suspeita de bolha e as notícias de desaceleração
retroalimentam a diminuição das vendas. Bombardeado de informações e com medo
de fazer um mau negócio e perder dinheiro, o futuro comprador prefere esperar
um pouco mais. "O consumidor que pretende comprar um imóvel vive um
momento de indecisão, Ele ouviu alguém falar que os preços iriam cair,
resolve não arriscar e parte para a locação", afirma Fernando Sita,
diretor da imobiliária Coelho da Fonseca, 0 resultado desse movimento é traduzido
nos números de imóveis alugados pela imobiliária. Segundo Sita, houve um
aumento de 40% na locação nos primeiros sete meses deste ano.
Mesmo que não haja um consenso sobre
bolha, todos os especialistas ouvidos pelo InfoMoney concordam que não dá para
esperar que os imóveis se valorizem como no passado recente, "Cada vez
mais é preciso analisar bem o que está comprando e avaliar as expectativas de
valorização. Não se pode tomar como parâmetro a valorização dos últimos anos.
Elas não se sustentam mais",diz Cláudio Hermolin, vice-presidente da I
Ademi-RJ (Associação dos Dirigentes das Empresas do Mercado Imobiliário).
O QUE FAZER?
Com tantos números negativos, o cenário
é de desespero? Por ora, não, Já era esperado que mais cedo ou mais tarde os
preços parariam de subir tão rápido. Como nem mesmo os profetas da bolha
imobiliária enxergam uma iminente redução drástica de preços, quem pretende
comprar um imóvel agora deve pesquisar bastante antes de fechar negócio, o
presidente do Secovi afirma que ainda há oportunidades em algumas regiões.
"Existem negócios interessantes, mas pontuais, em vários lugares. São
imóveis remanescentes de empreendimentos que foram lançados e não foram todos
vendidos."
Fernando Sita afirma que o momento é
favorável às pechinchas. "Com mais oferta, o comprador pode negociar
mais. Não feche negócio no primeiro imóvel que visitar." Se o imóvel tem
problemas como ser vizinho de porta de uma escola ou supermercado ou se trata
de um apartamento no primeiro andar, por exemplo, então o comprador tem ainda
mais chances de obter um desconto representativo. Outro cuidado importante é
pesquisar e negociar as taxas de juros do financiamento imobiliário, Bancos
públicos como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil costumam oferecer
taxas mais atraentes nessa linha, mas, dependendo do relacionamento que você
possui com um banco privado, as condições podem ser vantajosas.
Quem planeja comprar um imóvel para
investir também deve ser bastante criterioso. Como os preços dos imóveis não
devem mais subir tanto como no passado recente e podem até cair um pouco, o investidor
deve levar isso em conta antes de fechar negócio. Outro problema é que os juros
subiram no Brasil - o que aumenta a atratividade de aplicações financeiras em
relação ao mercado imobiliário, Com os títulos públicos de longo prazo pagando
ao menos 11% ao ano, é muito difícil alcançar uma rentabilidade parecida no
mercado imobiliário, ainda mais incluindo na conta os custos elevados de
transação - como impostos, corretagem, cartório, etc. No cenário atual, só
enxergue o investimento em um imóvel como boa pedida caso haja expectativa de
retorno de ao menos 15% ao ano entre aluguéis e valorização da propriedade.
Já para quem quer vender um imóvel, o
segredo é ter paciência. Os negócios esfriaram e os compradores sabem disso.
Se o vendedor não tem pressa para colocar o dinheiro no bolso, a recomendação
é esperar até que chegue uma oferta justa. É importante lembrar que o mercado
imobiliário não se move rápido como a Bolsa, Mesmo que as condições da economia
continuem se deteriorando, lembre-se que não existe por ora a expectativa de
forte queda nos preços. Esperar uma oferta atraente, portanto, é, sim, uma
opção.
SALDÕES
"Outlet", "saldão",
"liquidação". As frases que os brasileiros nos acostumamos a ver nas
vitrines dos shoppings para atrair consumidores agora também viraram lugar
comum em anúncios publicitários de imóveis. A única diferença é que os produtos
oferecidos com desconto valem centenas de milhares de reais, ou às vezes até
alguns milhões. São imóveis vendidos em várias cidades do país com descontos
que podem chegar a R$ 560 mil, segundos os anúncios divulgados com estardalhaço
recentemente. PDG, CCDi e Rossi foram algumas das grandes incorporadoras que
aderiram aos saldões com o objetivo de desovar o estoque e fazer caixa para ter
fôlego para terminar outros empreendimentos e arcar com dívidas. "Quando
as empresas ficam com muitos imóveis remanescentes, elas passam e ter menos
liquidez [dinheiro em caixa]. Além disso, precisam pagar condomínio, faxineira
e outras despesas do imóvel. O que elas fazem? Calculam todo esse custo, trazem
o valor presente e dão um desconto para vender agora e colocar dinheiro no
caixa", explica Bernardes, do Secovi.
Muitas vezes esse tipo de desconto deve
ser visto com cautela por potenciais compradores porque não passam de jogadas
de marketing. Nos saldões mais recentes, entretanto, os descontos não apenas
eram reais como também agressivos demais, na visão dos concorrentes. Para Paulo
Fabbriani, a estratégia dos saldões é equivocada e prejudica o setor como um
todo. O temor dos especialistas é que as pessoas que já compraram seus imóveis
percebam que há preços melhores no mercado e busquem rescindir seus contratos
fomentando um clima de "corram enquanto é tempo". "Estamos tratando
de um bem de alto valor em que se pressupõe que o comprador seja qualificado.
Não estão vendendo pipoca. Por isso é preciso que haja uma política mais
assertiva de descontos para vender os imóveis que ficaram no estoque, e não as
promoções que fizeram", diz. Já o presidente do Secovi-SP lembra que os
saldões podem representar uma boa opção para os compradores acharem bons
preços. Mas Antonio Setin, presidente e fundador da Setin Incorporadora, alerta
que é preciso avaliar se não se trata de um "mico". "Às vezes [o
imóvel com desconto] é voltado para os fundos, no térreo ou no primeiro andar,
onde nem bate sol."
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